Quais São os Entraves em Prorrogar o Auxílio Emergencial?

Em um mundo simples e planificado nós poderíamos reunir todas as nossas necessidades e alocar 100% dos nossos recursos (matéria prima, mão de obra, maquinários e tecnologia) para produzir essas necessidades, para depois distribuí-las igualmente entre todas as pessoas.

Conforme evoluímos como civilização organizada pela divisão do trabalho, criamos o livre mercado.

O livre mercado não foi uma um sistema criado da noite para o dia, ele evoluiu juntamente com as civilizações e adquiriu suas particularidades no decorrer dos séculos, conforme a nossa evolução como seres coletores e produtores.

Na Obra “Armas, Germes e Aço” o autor Jared Diamond sumariza a linha histórica de evolução das primeiras civilizações caçadoras-coletoras e como elas absorveram as tribos nômades que não desenvolveram a capacidade de estocar alimentos e praticar o escambo (troca de mercadorias).

As trocas foram o embrião desse modelo e nasceram justamente em um período onde os seres humanos deixaram de ser caçadores e coletores e se tornaram produtores e estocadores. Ao fixar moradia e produzir alimento, o ser humano passou a fazer trocas com outros seres humanos, e assim, iniciaram o eficiente modelo de comércio: eu produzo o que preciso consumir e o meu excedente de produção eu posso trocar com o excedente de produção de outra pessoa.

No livre mercado moderno a regra que se segue é a da oferta e da demanda, ainda que com muitas intervenções por parte dos governos.

Atualmente no mundo capitalista o consumo torna-se a base de todas as relações e a produção obedece às suas regras.

Até que algum fator novo interrompa ou fragilize essas cadeias produtivas, temos então as falhas de mercado.

Um exemplo disso é a pandemia do COVID que desorganizou todas as cadeias produtivas nacionais e internacionais, gerando fechamento das atividades comerciais e de lazer.

Nesse momento que o governo precisa intervir para garantir que as pessoas de baixa e média renda consigam passar por esse período de desequilíbrio.

Os auxílios emergenciais de 2020 juntamente com o bolsa família já injetaram na economia brasileira um montante de 184,6 bilhões de reais.

Os efeitos dessa injeção já podem ser sentidos nesse equilíbrio entre oferta e demanda.

A cesta básica vem subindo consideravelmente nas últimas semanas, batendo a casa de 20% em algumas regiões, mas por que isso está acontecendo?

Quem foi ao supermercado essa semana encontrou o arroz e o óleo a um preço muito maior do que estão acostumados a comprá-los.

A Culpa é da Tailândia?

A Tailândia juntamente com outros países do leste asiático são os grandes produtores de arroz do planeta.

Este ano devido a um longo período de estiagem e a crise do COVID-19, a Tailândia teve a sua pior safra de arroz das últimas duas décadas.

Tal baque na exportações causou desregulações entre oferta e demanda.

O Papel do Agronegócio nos Preços

Quando mais pessoas estão com dinheiro o consumo aumenta, então imagine que temos 184,6 bilhões de reais distribuídos em todo o país prontos para serem gastos.

Mas, do outro lado, nossa produção agrícola não acompanhou esse aumento na renda, uma vez que plantar e colher não é uma atividade que pode ser feita da noite para o dia e nem em qualquer época do ano.

Um agravante: as empresas do agronegócio vem apresentando exportações recordes desde o mês de maio.

Tem muito produto saindo do país para abastecer outros países.

Economistas desenvolvimentistas defendem que as exportações recorde são boas para a economia, mas a verdade é que sem um mercado interno fortalecido, faltam empresas especializadas e mão de obra disposta a aumentar os investimentos para que esse mercado absorva a demanda estrangeira sem pressionar os preços aqui dentro.

Esse crescimento se torna artificial quando a balança comercial (exportações e importações) é positiva, mas o país encareceu o custo de vida para toda população.

Somado esse cenário acima, temos agora mais dinheiro circulando para comprar a mesma quantidade de produto.

Considere que para tudo que é produzido no nosso mercado existe alguém demandando (comprar). Se ninguém demanda então ninguém quer ofertar (vender).

No gráfico 1 criamos um cenário de oferta e demanda onde existe um preço X, nesse preço X é possível vender uma quantidade Y, esse é o ponto de equilíbrio desse mercado.

A quantidade produzida de um produto pode atender um certo número de pessoas, se mais pessoas querem comprar desse produto existem dois caminhos:

  • Aumentar a produção do bem;
  • Aumentar o preço;

Como não é tão simples plantar e colher mais alimento para colocar nas prateleiras então nós temos um produto em escassez.

O preço irá automaticamente subir para que se atenda a demanda atual.

No gráfico 2 temos um cenário onde a demanda cresceu muito: mais pessoas consumindo alimentos, e uma oferta menor: produtores não conseguem plantar mais ou aumentar a quantidade ofertada. Tal situação fez o preço subir.

O que vai acontecer se o preço for mantido abaixo do equilíbrio para atender aos consumidores, mesmo sem aumentar a produção?

Simples: vai faltar. E vai faltar muito.

Crise Venezuelana

Pessoas fazem fila em supermercado na Venezuela

Nós podemos usar a nossa vizinha Venezuela para analisar mais profundamente como a capacidade produtiva de um país é o fator chave para manter a prosperidade.

A Venezuela por muitos anos baseou sua economia em exportação de petróleo, e muito dinheiro fluiu para o país com a venda do óleo que sempre teve uma demanda alta no mundo inteiro.

Em contrapartida o país não investiu todo esse dinheiro que entrava para fortalecer sua indústria interna básica: alimentos, ciência e pesquisa, parques industriais, medicamentos e infra estrutura.

As exportações foram caindo drasticamente interrompendo o fluxo de dinheiro que entrava no país, somamos isso a uma política rígida de controle de preços – preços congelados para produtos que não são produzidos em quantidade suficiente, temos assim uma das maiores crises econômicas da história do país, que já se arrasta há muito anos.

O governo precisou planificar diversos setores da economia e impor restrições.

Tal situação potencializa a escassez uma vez que o país não consegue se planificar diretamente: ainda existe um mercado privado gigante que as empresas estatais (as empresas do governo) não conseguem substituir, somente conseguindo produzir de maneira estatal os produtos básicos de subsistência é que será possível tornar-se um estado absolutamente socialista e bolivariano.

Os entraves são a existência de uma oposição tanto política quanto popular, que ganham mais força devido a grave crise financeira.

Então nós podemos sumarizar as condições de um tecido econômico saudável da seguinte forma:

  1. Manter a Produção em Crescimento e Acelerada: o que depende exclusivamente de um país que investe em infraestrutura, tem boas estradas, rodovias, tem mais opções de transporte de bens e insumos e tem uma carga tributária adequada a sua realidade. Também pode contar com boas safras agrícolas onde não falta água e nem calor.
  2. Manter os Empregos em Crescimento: quando existe uma indústria e um comércio aquecidos então existe investimento em planos de expansão e aumento dos negócios, o que se traduz diretamente em geração de empregos.
  3. Governo Atua como um Agente de Qualidade: utiliza sua arrecadação para criar mais programas de aceleração do crescimento, de aumento da população escolarizada e acesso universal aos bens públicos.

É Importante Conseguir Analisar as Consequências Além dos Benefícios

Muitas pessoas irão defender a manutenção dos programas de renda, pois eles são atualmente a única fonte de renda de algumas pessoas em situação de desamparo.

Isso está absolutamente correto.

Outras pessoas irão defender a diminuição ou extinção do programa, pois a injeção de todo esse dinheiro sem aumento da capacidade produtiva vai criar um aumento de preços que impactará as mesmas pessoas em situação de desamparo.

Isso também está absolutamente correto.

Não existe certo ou errado nessa situação, existe a ponderação do que será mais custoso para as pessoas, tudo isso considerando uma realidade repleta de pontos negativos (corrupção, perdão de dívidas e má gestão econômica).

O aumento de preços em um livre mercado significa uma coisa: quem tem mais dinheiro consegue comprar e quem não tem fica desamparado.

Manter o preço em um mercado que não consegue produzir mais também significa que as mesmas pessoas ficarão desamparadas, pois nem todas vão conseguir acesso aos produtos.

Manter um auxílio dessa magnitude é um ato que precisa de muito estudo e preparo da nossa realidade econômica, em um momento onde não estamos produzindo mais e caminhamos para uma economia de recuperação e desemprego alto.

Políticas sociais e auxílios de renda são um passo básico para a humanização e melhor distribuição da renda, mas sem os preparos básicos são a receita do fracasso e colapso econômico de um país emergente.

A injeção de altas somas de capital tem consequências que precisam ser medidas.

Para nós elas já podem ser sentidas ao pressionar o preço dos itens da cesta básica o que impacta duramente as famílias de baixa renda.

Afinal, quais são as grandes contradições em abordar esse assunto?

O Brasil possui uma elite milionária muito vasta e os impostos pagos por essa elite são muito baixos, existe uma desproporção e um desperdício em não taxar grandes fortunas.

Existem muitas alternativas em criar canais de irrigação para os cofres públicos que fomentem os benefícios sociais, mas infelizmente esses canais ainda não começaram a ser escavados.

O debate a ser iniciado com a situação atual é muito mais profundo do que simplesmente manter um benefício ativo, é entender como o desemprego e estagnação da economia atuam para impedir uma recuperação mais acelerada do nosso país em um cenário pós-pandemia.

E mais importante do que o debate dos benefícios sociais, é entender por que existe uma desigualdade tão exacerbada que impede que medidas de proteção aos mais pobres sejam implementadas sem que exista um risco tão grande por trás.

Por fim, é mais do que necessário possuirmos um governo econômica e socialmente competente para fortalecer a indústria, a produção interna que atenda as necessidades de emprego da sua população, para que em momentos de crise possamos adotar um plano de renda básica que não custe tão caro para o bolso e principalmente, para o prato das famílias pobres.

Todos os problemas do Brasil começam e terminam na mesma raiz: a má distribuição da renda.