Os Entraves do Crescimento Econômico Brasileiro

Antes mesmo das teorias sobre os ciclos econômicos serem amplamente estudadas e publicadas, Karl Marx (1844) afirmou que todas as crises econômicas eram resultado de uma dissociação entre a produção e o consumo; entre a esfera da produção e a da circulação de mercadorias (o mercado).

Hoje é mais que aceito dentro da ciência econômica capitalista e liberal que os choques na demanda e na oferta são os grandes causadores das crises e das recessões nos países.

O autor Fábio Giambiagi levantou uma questão muito importante em sua obra Economia Brasileira Contemporânea que explica de maneira bem assertiva do por que o Brasil passou de um período de extrema prosperidade econômica nos anos 2000 e no início da década de 2010, para um período de recessão e estagnação que perdura até hoje, chamado de: “armadilha da renda média”.

Pensar que o aumento de renda de um país é um dos fatores que pode causar uma crise econômica causa bastante estranheza.

Mas isso aconteceu na década de 2010 na América Latina.

Brasil, México, Colômbia e Venezuela foram os países que mais colheram os frutos do aumento da renda, e hoje colhem os efeitos colaterais deste crescimento.

Antes de explorarmos um pouco este assunto é muito importante que eu contextualize onde nos encontrávamos em nível de crescimento durante esse período e onde nos encontramos agora, para tal análise não encontro melhor métrica que do Produto Interno Bruto:

Na tabela acima o World Bank nos evidencia as taxas de crescimento do Produto Interno Bruto brasileiro de 2000 até 2010.

Nele é muito fácil identificar o quão próspera foi a década mesmo tendo sido palco de uma grande crise financeira como a de 2008.

A crise de 2008 atingiu em cheio o mercado internacional, principalmente os Estados Unidos e a União Europeia, o Brasil conseguiu se manter com um patamar de queda de produtividade muito pequeno e conseguiu ainda, em 2010, reverter o cenário com seu maior crescimento do PIB de toda era democrática: 7,5%.

A maneira como enfrentamos a crise de 2008 e como seguimos nos comportando em questão de políticas fiscais nos anos seguintes foram um dos fatores que causaram a recessão de 2014/2015.

Giambiagi (2016) aborda a questão dos países emergentes (principalmente os latino americanos) que passam por fases de crescimento econômico acelerados devido a fatores externos do mercado como alta no preço de commodities.

Passar pela fase de crescimento econômico não é fácil, o principal desafio dos países do mundo desenvolvido, como você pode imaginar, é manter o crescimento de maneira homogênea e linear.

Países emergentes como o Brasil, México e Índia podem se aproveitar de momentos prósperos do mercado para conseguir números de arrecadação recordes, e assim, aumentar o nível de renda da sua população no curto prazo.

Para quem sempre possuiu um nível de renda per capita baixo passar para o nível de renda médio traz desafios a longo prazo, desafios que são muito aquém da capacidade de uma economia emergente superar.

Com o passar do tempo os fatores que faziam a renda crescer começam a se esgotar.

O que aumentou a renda?

Um boom na produção de certos produtos dentro de um período de mercado aquecido e de preços mais altos no mercado internacional.

Mas esse ciclo de preços altos e de bom desempenho da produção tende a acabar em algum momento.

O mercado é volátil, a natureza é imprevisível e o padrão de consumo nos países muda com muita rapidez, então um país emergente que esteja se aproveitando de altos preços de produtos cuja produção ele domina obtém um resultado econômico muito favorável no curto prazo, mas e quando o preço desses produtos cai?

E quando a produção não acompanha o crescimento do mercado?

Essa lição não é nova para o Brasil.

Logo nos primeiros anos da colonização a extração do pau-brasil era a única atividade econômica realizada e garantia bons retornos a coroa portuguesa, com as invasões francesas o ciclo perdeu força e o produto se desvalorizou no mercado europeu.

Também durante os ciclos do açúcar, quando o rei Felipe II rompeu o processo produtivo em conjunto com a Holanda, Portugal viu sua principal fonte de renda sumir.

Os holandeses partiriam para o Caribe onde não só plantaram a cana como já detinham expertise no refinamento e no processo de comercialização do produto final, tornando-se o principal concorrente do açúcar brasileiro e superando suas vendas no mundo.

Quando a renda média aumenta o nível de desemprego caí.

No Brasil em 2014 chegamos a menor taxa de pessoas desocupadas já registrada: 4,8%.

Era difícil de imaginar que em apenas um ano entraríamos em uma recessão econômica.

Taxas baixas de desemprego significam que não existe uma reserva de mão de obra ao alcance fácil do mercado, empresas precisam ofertar maiores salários em troca de conseguir a mão de obra necessária para seus projetos de expansão.

Nessa fase os ganhos em produtividade passam a cair e o crescimento fica dependente exclusivamente do setor de serviços e de tecnologia, que são os que abocanham de forma mais criativa o excesso de renda do consumidor.

Infelizmente nós não possuímos uma infraestrutura que permita essa renda escoar para criação de mais produtividade, que crie novas tecnologias, que crie novas ferrovias, portos, indústrias e universidades, essas são investimentos de longo prazo, seus resultados demoram anos para começar a surgir.

Como resultado temos novos choques na demanda, aumento do nível de preços, desemprego e recessão.

É como em um reservatório de água, conforme o nível da água sobe é preciso que o recipiente acompanhe esse aumento ou a água irá vazar.

De acordo com as teorias dos ciclos econômicos um país capitalista não consegue manter o crescimento ininterrupto, as falhas do mercado capitalista não permitem que isso aconteça e a estrutura econômica reage de maneiras distintas.

Em países ricos esses efeitos colaterais são minimizados com mais facilidade que nos países pobres.

Portanto é esperado que períodos de estagnação e recessão econômica aconteçam após períodos de crescimento, isso pode ser observado em todos países emergentes e até mesmo no bloco europeu desde o início do século XX.

São os ciclos econômicos traçando seu percurso.

Mas e no caso brasileiro? Como entender uma mudança tão acentuada de padrão em apenas 10 anos?

Quais foram os erros que nos levaram a crise de 2015?

É preciso salientar algumas coisas antes de entrar nesse assunto:

  1. No final de 2010 a economia brasileira apresentava todos os sinais de superaquecimento, o que deveria ter levantado uma cautela maior por parte do governo e da equipe econômica em frear as políticas fiscais expansionistas;
  2. Baixo nível de desemprego e mão de obra disputada fizeram disparar os salários médios;
  3. A balança comercial brasileira que vinha desde 1997 superavitária passou a apresentar déficits ano após ano;
  4. As taxas de juros americanas próximas a zero atraiam investidores de risco para a América Latina, mas em algum momento essas taxas subiriam de novo, deveria ser o esperado.

Na tabela do PIB da década de 2010 é possível notar como a economia brasileira estagnou e não conseguiu retomar o crescimento.

No começo da década de 2000 o país possuía uma massa de desempregados pronta para ser absorvida a um mercado reaquecido, e foi o que aconteceu gradativamente durante esta década, tal recurso não poderia ser repetido em 2014 com apenas 4% da população desocupada.

2014 foi o ano em que o ciclo econômico favorável chegou em seu ápice: desemprego x dólar x renda x produção.

Os anos seguintes foram de recessão e baixo desempenho somados a uma crise política e um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

O governo ter adotado uma política fiscal expansionista (quando se gasta mais) foi um dos principais erros que culminaram com a crise, uma vez que não houve retorno em produtividade.

A grande aposta do governo Dilma foi os Programa de Aceleração do Crescimento onde se iria buscar aumentar infraestrutura e produtividade em um momento de aquecimento econômico, infelizmente os entraves do programa somados a rápida deterioração econômica não deram tempo suficiente para que os resultados dos programas surgissem.

Para que esse modelo expansionista funcionasse por mais tempo, seriam necessários medidas como:

  •  investimentos em educação de qualidade vindos de décadas anteriores;
  •  níveis adequados de investimento e poupança, não somente fomento ao consumo;
  •  gasto público eficiente;
  •  boa infraestrutura: portos, ferrovias, rodovias, industrialização;
  •  instituições favoráveis ao crescimento;
  •  ambiente de competição, de inovação e de concorrência.

Não existe uma receita de bolo que crie desenvolvimento social e econômico, o que existem são áreas chaves da estrutura nacional que precisam de atenção contínua e que independa de ideologias partidárias ou governamentais, são elas: educação básica, educação universitária e fomento a infraestrutura e fomento a tecnologia.

Não basta ter capital entrando e girando se esse capital não consegue se transformar em produtividade.

A América Latina conhece estes velhos ciclos desde a época da colonização europeia, eles são a nossa herança histórica cujo preço é alto, alto para a América do Sul, alto para os emergentes Brasil, Argentina e México, e muitíssimo alto para o Caribe e para a América Central.

Encerro com uma brilhante frase de Rosa Luxemburgo: “Há todo um velho mundo ainda por destruir e todo um novo mundo a construir. Mas nós conseguiremos, jovens amigos, não é verdade?”