Desde a primeira vez que ouvi falar nesses termos no ano de 2021, não dei tanta atenção ao que eram nem ao que representavam.
“Great Resignation,” “Quiet Quitting” e “Bare Minimum Mondays” são termos que surgiram com força nos meios empresariais de trabalhadores Millennials e GenZ após 2020.
Já ouviu falar de algum deles?
No início de 2021, vivíamos um período em que a reabertura econômica dos negócios passou a ser crescente, em detrimento da política de isolamento social que vivemos durante todo o ano de 2020.
Nos Estados Unidos, com uma vacinação muito mais veloz, as reaberturas aconteceram mais cedo do que por aqui, de fato.
Nesse período, algumas transformações aconteceram: o trabalho remoto passou a ser uma realidade presente e um respiro de alívio para trabalhadores de renda média que precisavam se deslocar horas pelas cidades e enfrentar um transporte público que não conseguia mais absorver a demanda.
Na reabertura, foi possível enxergar uma profunda insatisfação dos trabalhadores que o período de isolamento e trabalho remoto potencializou; ondas de demissões voluntárias aconteceram, em especial, na Europa e nos Estados Unidos, mas também foram crescentes em metrópoles latino-americanas.
O principal destes movimentos foi chamado pela mídia de “Great Resignation” (Grande Renúncia) e era um movimento não sincronizado e não organizado, era orgânico e individual, formado por trabalhadores insatisfeitos com suas carreiras, com suas condições de trabalho, com a cultura de suas empresas ou por discordância em retornar ao modelo de trabalho presencial.
Esses trabalhadores passaram a sair de seus empregos por vontade própria.
Em outubro de 2021, 8 milhões de trabalhadores americanos saíram voluntariamente de seus empregos; no Brasil, foram 600 mil pedidos de demissão no mês de março de 2022.
Durante o ano de 2020 e o clímax da pandemia, era natural que as pessoas tivessem mais receio em pedir demissão, pois não sabiam como seriam os próximos meses, a insegurança era maior e o cenário de retomada era ainda indefinido.
Já em 2021/2022, com as reaberturas completas e gradativa retomada na normalidade das atividades produtivas, o número de trabalhadores buscando trocar de emprego aumentou exponencialmente.
Quando analisamos os dados do CAGED com os pedidos de demissão acumulados do final de 2020 até metade de 2022, podemos perceber o crescimento acentuado e completamente fora de um padrão de normalidade, afinal, as taxas de desemprego ainda estavam altas.
A Forbes publicou um artigo sobre o que eles classificaram de uma trend viral entre trabalhadores: as Bare Minimum Mondays, que significam fazer o menor esforço possível no trabalho durante as segundas-feiras, buscando minimizar os sintomas de burnout e tentar buscar um equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Já a expressão Quiet Quitting (desistência calada) trata de profissionais que não expõem à empresa suas insatisfações e passam a se comprometer cada vez menos com seus trabalhos e metas, obrigando o empregador a desligá-los.
Esses movimentos são pequenas ebulições de insatisfações das pessoas de baixa e média renda, que a cada vez passam a perceber que o sonho capitalista e da prosperidade financeira não as alcança, por mais que produzam e se esforcem.
Após uma crise sanitária como foi com o COVID, além de entender que estavam em desvantagem no campo financeiro, essas pessoas entenderam que até a saúde é um produto cuja preferência de uso vai para os mais ricos.
As Insatisfações da Classe Trabalhadora x as Expectativas do Lucro das Organizações
A grande maioria dos trabalhadores ainda não consegue sair da alienação que os torna ferramentas para a obtenção do lucro, uma vez que não enxergam suas carreiras desta forma, mas sim como uma maneira de enriquecer e conquistar estabilidade na vida.
Para essa grande parcela de pessoas, as empresas podem sim se tornar um ambiente com mais humanidade, com mais benefícios, com maiores salários e com cargas horárias e modelos de trabalho mais flexíveis.
A dura verdade é, sendo um mero vendedor de sua força de trabalho, esse tipo de movimento não fere as organizações e nem representa uma ameaça.
Nos Manuscritos Econômico-Filosóficos Karl Marx e Friedrich Engels escrevem: O trabalhador não tem apenas de lutar pelos seus meios de vida físicos, ele tem de lutar pela aquisição de trabalho, isto é, pela possibilidade, pelos meios de poder efetivar sua atividade.
Ou seja, peças de uma esteira produtiva são facilmente substituídas. O trabalhador não só precisa trabalhar para sobreviver, como precisa competir com outros trabalhadores para conseguir se empregar.
Em um país desenvolvido é muito mais fácil para trabalhadores arriscarem esses movimentos em comparação aos países periféricos, onde há insegurança de se conseguir recolocação e impossibilidade de sobrevivência sem a renda do salário.
Tanto no mundo desenvolvido quanto na periferia do capitalismo, não muda o fato de que o trabalhador é o elo mais frágil da relação de produção, e suas insatisfações nada mais são do que um despertar precoce e não consciente de que a venda de sua força de trabalho não configura o anseio de suas necessidades básicas, não traz segurança a sua vida.
O Great Resignation é uma nova roupagem para uma mesma questão: a falsa sensação dos mais fracos em estarem no poder e acharem que podem exercer algum controle sobre os donos dos meios de produção.
Nos meios de comunicação e nos corredores das empresas surgem conversas e movimentos voltados a tornar a cultura menos tóxica, melhorar benefícios e flexibilizar outros pontos das jornadas de trabalho como aparente solução para esse movimento.
Mas na realidade isso não é um movimento sobre as empresas, não é sobre jornadas híbridas ou ajudas de custo com internet.
Preste atenção neste texto: “Qualquer que seja a concessão que a burguesia faça no ordenamento econômico – até a redução máxima da jornada de trabalho – permanece sempre verdadeiro o fato de que a necessidade de exploração, sobre a qual toda ordem social presente se apoia, possui limites intransponíveis, além dos quais o capital, como instrumento de produção privado, perde sua razão de ser.
Se uma atual concessão pode acalmar uma forma imediata de inquietação no proletariado, a mesma concessão não pode deixar de despertar o desejo de outras, e novas, sempre crescentes.” Manifesto Comunista, Marx e Engels (1890).
Percebe que há 133 anos nós já sabíamos que essas ondas de insatisfação dos trabalhadores geram pequenas concessões por parte dos proprietários do meio de produção?
Essas soluções temporárias não são um sinal de humanização das relações de trabalho, de mudança nas relações de trabalho ou de mudança do comportamento humano em direção a evolução, não!
São apenas medidas necessárias que os donos do capital precisam conceder para poderem continuar lucrando.
Não há poder nenhum nisso.
Nos Estados Unidos com um índice de desempregados em torno de 5%, torna-se muito mais difícil para as empresas, que já atuam em um nível mais elevado de produção e tecnologia em comparação às brasileiras, absorver nova mão de obra qualificada no mercado de trabalho.
A retenção torna-se mais eficiente e barata.
Agora chegamos ao Brasil, com um nível de desemprego que em março de 2022 era de quase 10%, e com grande facilidade de reabsorção de mão de obra menos qualificada, qual poder existe aqui? Nenhum.
A retenção de trabalhadores insatisfeitos se torna comum caso ela seja o melhor caminho para manutenção do lucro das empresas.
Se existe outra pessoa que saiba fazer o seu trabalho e esteja desocupada ou dentro de uma empresa pior que a sua, a sua renúncia não irá ferir e nem preocupar a companhia, pois existe um outro profissional pronto para absorver suas demandas (por vezes ganhando um salário menor).
A sensação de poder que estes movimentos nos trazem é fictícia e mesmo que você renuncie a um trabalho por insatisfação, poderá encontrar-se em um pior no ano seguinte, porque sua sobrevivência depende exclusivamente da venda de sua força de trabalho.
Se você se deparar com dificuldades para manter sua sobrevivência passará a trabalhar por menos dinheiro e piores condições novamente sem pestanejar.
É fundamental reconhecer que a insatisfação individual no trabalho, embora seja uma experiência comum, não é suficiente para catalisar mudanças significativas nas relações de trabalho, quem dita as regras são aqueles que possuem o poder financeiro.
As transformações nas relações de trabalho exigem um esforço conjunto e estratégias mais abrangentes que considerem não apenas o indivíduo insatisfeito, mas também fatores organizacionais, culturais e políticos.
O único movimento que um dia poderá produzir qualquer efeito na ordem social são as mobilizações organizadas da classe trabalhadora, sem divisão de castas.