Enel, Via Mobilidade e uma Sólida Alienação do Trabalhador Paulistano

Algo que chama muito a minha atenção como morador da cidade de São Paulo é o fornecimento de bens públicos como energia elétrica, água e transporte, e a relação que nós, trabalhadores, e pessoas de baixa renda temos com eles.

Mas afinal, o que são bens públicos?

Bens públicos são aqueles que não podem ser providos por mecanismos de mercado. Exemplos: a segurança de um país, água potável e energia elétrica.

O bem público precisa ser:

1. Não Excludente: pense na iluminação da sua rua, ninguém pode ser impedido de se beneficiar com a iluminação da sua rua mesmo vivendo em outro bairro. Se eu passar pela sua rua vou usufruir de uma via iluminada, então, eu não poderia ser excluído de usufruir este bem.

2. Não Rival: se eu e você passamos pela mesma rua ao mesmo tempo, a iluminação atenderá nós dois. Se eu utilizar o bem, ou 20 pessoas utilizarem o bem, não haverá alterações.

Mesmo que você seja contra a iluminação das vias públicas, ou discorde do quanto a prefeitura gasta para manter este serviço, você não pode ser excluído de utilizá-lo, ele ainda estará lá.

Os bens públicos são elementos essenciais para a existência de uma civilização moderna, pois, embora não gerem lucro (ou este não deveria ser seu foco) eles, desempenham um papel fundamental.

A Participação do Estado na Oferta de Bens e Serviços

Com a ascensão de políticos ultraliberais e da extrema direita que observamos no mundo todo, uma massa de pessoas que apoiam o discurso de corte de gastos do Estado tomam as redes sociais e a mídia. É vendido um cenário onde o governo gasta demais, e isso que gera os problemas na economia e a perda de qualidade de vida das pessoas.

Não estou em momento algum afirmando que não deveria haver controle de gastos pelo Estado, é comprovado que um teto fiscal gera benefícios e fortalece a economia de um país de livre mercado.

O que busco evidenciar aqui, é um abrir de olhos ao trabalhador que vem sendo alienado com discursos que prejudicam sua própria existência.

Na prática temos visto que os países do primeiro mundo tiveram um aumento acentuado de gastos públicos nas últimas décadas, indo em contra partida ao que acredita o liberalismo capitalista em sua essência.

Na obra “Orçamento Público” publicada neste ano, James Giacomoni evidencia que nos Estados Unidos, por exemplo, os gastos dos três níveis de governo, que em 1890 corresponderam a 6,5% do Produto Nacional Bruto (PNB), cresceram de forma contínua até 1970, quando esse percentual superou a marca de 30%, estabilizando-se em valores próximos a 40% nas décadas seguintes. Tal tendência histórica ao crescimento dos dispêndios públicos é encontrada também em outros países capitalistas, como Alemanha e Reino Unido.

As máquinas públicas crescem independentemente do quão desenvolvido é o setor privado.

No Brasil, o crescimento acelerado das despesas públicas inicia-se no término da Segunda Guerra Mundial. Para James, as despesas governamentais apenas dobraram entre 1907 e 1943 e, considerando que nesse mesmo período a população cresceu em 100%, em termos per capita o gasto público não acompanhou a tendência. Já na metade do século XX, as despesas do governo, excluídas as empresas estatais, cresceram oito vezes. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), os gastos totais corresponderam a 19% em 1950, a 22% em 1967 e a 26% em 1970. Após proporções maiores na década de 1980, as despesas caíram para 32% em 1990 e para 26% em 1994.

Uma pergunta que eu sempre faço no assunto dos bens públicos é: uma empresa privada levaria seus serviços para as cidades ribeirinhas do Amapá? Sem acesso rodoviário ou com infraestrutura aeroportuária?

Se não houver gasto do Estado, como essas populações deverão sobreviver e receber serviços essenciais?

A Imagem de um Produto Ruim e Depredado

Quando eu pensava em bens públicos antigamente, a primeira imagem que vinha à mente era a de depredação e má qualidade constante.

Conforme envelhecemos e compreendemos o funcionamento de uma sociedade pautada no capital, percebemos que não é bem assim que as coisas funcionam.

Muitos bens públicos tornam-se depredados e ineficientes devido a cortes constantes de verbas e orçamento, mesmo com o crescimento exponencial de usuários.

Além das verbas, podemos mencionar a superlotação desses serviços, o que acelera a depreciação.

Os repasses do governo para as linhas privatizadas seguem acontecendo, o que me faz questionar qual afinal é a vantagem econômica que é tanto aclamada ao privatizar o transporte público.

Tomemos como exemplo a Linha 9 Esmeralda da CPTM, que hoje atende quatro das principais regiões do Polo Empresarial de São Paulo: Morumbi, Berrini, Vila Olímpia e Pinheiros.

Inaugurada em 23 de março de 2001 a Estação da Vila Olímpia atendia uma região de predominância residencial que em apenas 10 anos se tornaria um dos maiores polos empresariais do Brasil e da América Latina, comportando massas de empresas e trabalhadores dos mais diversos setores da economia.

Em um cenário onde uma única linha ferroviária passa a atender 153 milhões de usuários (dados da Linha Esmeralda de 2019), é preciso chamar a atenção para como uma única via irá atender um fluxo crescente de pessoas que saem de toda a cidade em direção a poucos polos empresariais.

A construção de condomínios de alto padrão nessas mesmas regiões visa alimentar a alta patente de trabalhadores e donos dos negócios que podem pagar pelos altos preços de moradia e custo de vida nessas mesmas regiões.

Mas o massivo fluxo de pessoas continua a sair das periferias e das regiões residenciais mais afastadas desses polos.

Não há preocupação na infraestrutura pública em melhorar a qualidade de transporte desse público, que precisa acordar cada vez mais cedo e enfrentar permutas cada vez mais estressantes e superlotadas para conseguir cumprir suas jornadas de trabalho.

Aos que adquirem meio de transporte próprio, o problema permanece na quantidade de horas que são perdidas nas vias que chegam a esses polos.

Atualmente, vemos pessoas de renda média ou baixa apoiando discursos de privatização, alienando-se ao desejo dos poucos mais ricos em manter serviços essenciais e custosos ao Estado nas mãos de empresas que poderão operá-los com menor responsabilidade social.

O Estado de São Paulo é um exemplo perfeito de como os trabalhadores e as pessoas de baixa renda foram alienados com o discurso da extrema direita.

Torna-se bem-humorado imaginar uma pessoa de renda baixa tentando chegar em sua casa após um dia de trabalho, presa em uma linha privatizada ou em um ônibus superlotado, sendo que ela própria apoia a privatização e compra o discurso capitalista liberal.

Precisamos lembrar que foi o Estado de São Paulo que elegeu Tarcísio e quase reelegeu Bolsonaro, dois dos principais apoiadores da desestatização dos serviços.

Uma empresa privada visa o lucro, ponto.

Essa é a primeira lição que você aprende em um curso de administração e toda história do capitalismo é construída neste pilar: empresas existem para gerar lucro, do contrário elas deixarão de existir.

Estas ineficiências que o mercado gera precisam ser corrigidas pelo Estado, por isso criam-se empresas estatais.

Pergunta: o que o faz pensar que a Via Mobilidade ou a Enel atuam pelo bem da população?

Se não houver lucros satisfatórios essas empresas irão:

  • Cortar equipes;
  • Funcionários mal remunerados e sobrecarregados;
  • Menos equipes por região;
  • Comprar equipamentos mais baratos;
  • Deixar de atender regiões distantes etc.

O discurso usado é sempre um só: o foco no quão o serviço público é ruim e ineficiente onde privatizar torna-se a solução.

Quando o Problema do Bem Público Deixa de ser Exclusivo dos mais Pobres

O apagão em São Paulo evidenciou que a ineficiência do serviço privado não isentou as partes mais ricas da cidade, como geralmente é o habitual.

Por esse comportamento já ser normalizado, os mais ricos não estavam preparados para estar na mesma situação de falta de energia que as periferias já convivem a mais tempo.

Evidencia-se aqui um fator muito importante: a privatização passa a atingir as áreas nobres e incomodar a parcela mais rica, que é onde o debate passa a se tornar mais evidente na mídia.

Ninguém se preocupa quando a região do Capão Redondo fica dias sem energia, mas isso toma outras proporções quando a região do Jardins fica 3 dias sem energia.

A meu ver, tudo desagua na mesma questão: os proprietários do capital e donos de empresas não se importam com esses problemas, mesmo quando eles indiretamente se tornam entraves ao seu próprio lucro, uma vez que quem produz sua riqueza não consegue chegar nas empresas.

Por mais revolta que as constantes falhas no abastecimento de energia e problemas nas linhas de transporte causem, muitos trabalhadores adquirem uma raiva e um stress que os adoece mental e fisicamente, mas são poucos os que conseguem converter essa raiva em consciência de classe e entendimento dos porquês a privatização e a diminuição de investimento público em infraestrutura são propositais e não geram benefícios.

Muitos trabalhadores infectados com ideologias da direita, que hoje domina a narrativa nas redes sociais e espalha desinformação, ainda engrossam a defesa da privatização e uma menor participação do estado nesses bens que deveriam ser públicos.

Mesmo estando claro que não há nenhum benefício em apoiar esses atos.

A quem interessa menor participação do Estado e mais empresas públicas privatizadas?

Você já sabe essa resposta: aos que detêm o poder financeiro e aos proprietários dos meios de produção (empresas).

Para eles, que podem manter suas vidas próximas aos polos empresariais com alta qualidade de vida, é muito benéfico que os impostos sejam diminuídos, que o Estado seja mínimo.

Isso beneficia os 1% mais ricos, apenas.

Mas onde que um Estado mínimo de bens públicos privatizados beneficia um trabalhador que reside na periferia e precisa de 02 horas para se deslocar até a Berrini?

Que depende de linhas e vias privatizadas?

Nenhum benefício.

O que esses trabalhadores, alienados ao discurso capitalista, não conseguem enxergar é que, se eles não conseguirem chegar aos seus postos de trabalho ou se o transporte se tornar custoso para o patrão, serão substituídos pelos trabalhadores que conseguem chegar.

Não há almoço grátis no capitalismo, caro amigo.

Se o governo se sentasse com os proprietários de todas as empresas do Morumbi, Berrini, Vila Olímpia e Pinheiros e dissesse: “Vamos construir uma linha de metrô e transporte que beneficie 70% da sua força de trabalho, aumentando a qualidade de vida deles e diminuindo o tempo que levam para se deslocar; porém, quem vai pagar por esse custo serão vocês.”

A resposta dessas empresas seria um sonoro “não”.

Porque o lucro jamais será comprometido em prol do benefício social.

Mesmo que provemos por A e B que tais obras gerariam produtividade e aumento de eficiência em seus negócios, a resposta ainda seria não.

Então, entende quando eu insisto que diminuição de imposto e privatização não trazem riqueza para o trabalhador? Nem aumentam sua qualidade de vida?

Esse discurso é alimentado por pouquíssimas pessoas, e eu te asseguro que nenhuma delas precisa pegar o trem da Linha Esmeralda sentido Grajaú às 18:00 horas de uma segunda-feira.

Abraços!