Formação Econômica do Brasil: Ciclo do Açúcar

INTRODUÇÃO

A história econômica dos países que são ex-colônias europeias possuem muitas semelhanças.

A forma como seu desenvolvimento econômico e social se deu através dos séculos e a maneira como se organizam atualmente são provenientes das raízes coloniais e das decisões tomadas à época.

As populações predominantemente negras do Caribe e Brasil foram construídas sobre a exploração de povos africanos enquanto o desenvolvimento da América do Norte se consolida sobre uma colonização de povoamento.

Não é possível falar sobre a formação econômica do Brasil sem iniciar pelo processo de colonização portuguesa.

Também não é possível entender porque o Brasil é um país emergente, de acirrada desigualdade social e com regiões tão diferentes entre si sem mergulhar no processo de sua formação econômica.

O texto a seguir objetiva reunir informações que evidenciem uma linha do tempo de como os ciclos econômicos europeus criaram e consolidaram os futuros países da América Latina, e como a demanda de seus mercados foi construída exclusivamente sobre a exploração.

Formação Econômica do Brasil (2005) de Celso Furtado foi a obra base utilizada para compor este texto.

As grandes navegações e a incessante busca por uma nova rota para as Índias culminaram com o descobrimento das Américas pelos povos europeus.

Segundo os estudos arqueológicos já conhecidos temos a teoria que os primeiros seres humanos cruzaram o estreito de Bering há 12 mil anos iniciando a ocupação das Américas e evoluindo para dezenas de diferentes civilizações.

Segundo o Museu de Arqueologia e Etnologia-MAE é difícil a confirmação da data que os povos provenientes da Ásia passaram a ocupar as Américas uma vez que novas descobertas de agrupamentos humanos sugerem que outras espécies humanoides já atravessaram o estreito de Bering ou chegaram as costas americanas por meio de embarcações anteriormente.

Quando os portugueses chegaram na costa brasileira já haviam diversas tribos indígenas habitando a América do Sul, estima-se que no ano de 1500 os povos originários somavam quase
cinco milhões de pessoas que viviam da caça, da pesca e do cultivo, falavam
centenas de línguas diferentes e não praticavam a economia de exploração
do homem pelo homem – como afirma a obra Resolução Política do Diretório Nacional da UP.

Os povos indígenas foram escravizados e doutrinados com a religião europeia, sua dizimação foi feita através de 04 tipos diferentes de violência:

  • Militar: através das invasões portuguesas, espanholas e holandesas e ataques por armas;
  • Econômica: destruição do sistema organizacional de subsistências substituindo pela situação de escravidão;
  • Cultural: através de doutrinação religiosa e miscigenação forçada com os brancos europeus;
  • Saúde: através de epidemias e doenças trazidas pelos europeus e disseminadas entre as populações.

Primeira Etapa: Extrativismo e o Pau-Brasil

Furtado (2005) aponta que o êxito da colonização agrícola portuguesa tivera como base a produção de um artigo cujo mercado se expandira extraordinariamente: madeira.

Na primeira etapa da colonização ocorre a cultura do extrativismo, ou seja, a coleta de recursos naturais.

A primeira atividade econômica passou a ser a extração do pau-brasil para produção de móveis, instrumentos musicais e embarcações possuindo um alto valor no mercado europeu.

Foi também a primeira atividade regulada em terras brasileiras, uma vez que a coroa portuguesa instaurou leis que desautorizavam outras nações europeias a extrair a madeira.

Na etapa do extrativismo do pau-brasil as comunidades indígenas foram escravizadas para que atuassem na extração da madeira, ou recebiam objetos sem valor e quinquilharias em troca do trabalho braçal.

No artigo Os ciclos do pau-brasil e do Açúcar de R. Zamella (1950) é citado que a atividade extrativa do pau-brasil foi perdendo a rentabilidade com o passar dos anos, os franceses passaram a fazer incursões na costa brasileira e se aliar a tribos indígenas na extração da madeira, combates foram travados entre portugueses e franceses pelo domínio das terras, mas por se tratar de uma terra pouco povoada não havia como manter os interesses da coroa de maneira absoluta.

Tanto o ciclo da extração de madeira quanto do início da produção açucareira acompanham demandas por produtos que a Europa definia, foi assim com o ouro, o tabaco, o açúcar e no período mais recente da história, o café.

Para Furtado (2005) a ocupação dos territórios brasileiros passou a sofrer pressão dos países europeus para que Portugal e Espanha permitissem a exploração de terras ainda não exploradas, o que levou os colonizadores a buscar o aumento de sua presença na região, aqui nascem as capitanias hereditárias e a divisão do país em faixas administrativas.

Segunda Etapa: As Capitanias Hereditárias

Buscando trazer uma administração e aumentar os domínios da coroa, foram instauradas as capitanias: 14 faixas de terras que seriam destinadas a um capitão donatário.

“No sentido de garantir o seu domínio contra a “concorrência”, ao longo do século XVI a Coroa Lusitana cria o sistema de Capitanias Hereditárias e dá concessões de direitos reais sobre vastas extensões de terras brasileiras a representantes das classes privilegiadas, nobres, comerciantes e militares portugueses, em troca da lealdade vassala e do pagamento de impostos à Coroa.”

Como não havia um órgão coordenador central com o passar do tempo os interesses dos donatários passaram a divergir com a coroa portuguesa e uma dispersão administrativa tomou força.

A partir de 1549 é criado um Governo Central com a chegada de Tomé de Sousa que apesar de não ter posto fim ao regime das capitanias, enfraqueceu-as. Tal regime lidava com obstáculos imensos como infraestrutura, dificuldade de comunicação e transporte.

Esse regime perdurou até a chegada da família real portuguesa em 1808.

Ciclo do Açúcar

O cultivo da cana foi visto como uma oportunidade de aumentar a esfera de influência portuguesa na colônia aproveitando o aumento do consumo do produto pela Europa, impedindo assim novas ameaças ou invasões estrangeiras.

Bauer e Costa (2020) informam que a produção teve início na capitania de São Vicente, mas logo superada pela produção no Nordeste (Bahia e Pernambuco) onde havia um clima mais propenso a cultura da cana.

Os lucros obtidos com a cultura do açúcar não se traduziram em desenvolvimento econômico do Brasil colônia já que retornavam para a Europa.

Furtado (2005) afirma que favores especiais foram concedidos subsequentemente àqueles que instalassem engenhos na colônia: isenção de tributos, garantia contra penhora dos instrumentos de produção, honrarias e títulos.

Podemos afirmar com solidez que a cultura do açúcar na América Latina é a primeira grande raiz do problema do subdesenvolvimento do caribe e da América do Sul, tal cultura foi aplicada de maneira que elevasse ao máximo a produção e o lucro da metrópole, minando todas as possibilidades de instalação de colônias de povoamento e de subsistência.

Vale destacar aqui que a existência de colônias de povoamento ou subsistência são consideradas historicamente o fator principal que dividiu a América em um norte desenvolvido e um sul subdesenvolvido.

A penetração do açúcar no Caribe expeliu uma parte substancial da população de origem europeia que se estabelecia na região, forçando essas populações a migrarem para o norte (Estados Unidos e Canadá), o açúcar eliminou as colonizações de subsistência e foi um dos estopins para o início da escravização de populações africanas.

Tão acentuado foi a relação da escravidão com a cultura do açúcar, que a massiva maioria das populações caribenhas são compostas por descendentes de africanos, bem como a maioria da população atual brasileira.

Para ser rentável a cultura açucareira necessitava ser feita em grandes extensões de terra, o que excluía pequenos colonos da produção e deixando-a a cargo dos grandes latifundiários apenas.

Os pequenos colonos não tinham acesso as pessoas em situação de escravidão por se tratar de um custo muito elevado que somente os grandes colonos podiam bancar, inicia-se a imigração de trabalhadores europeus em regime de servidão, nessa modalidade o trabalhador produzia para o pequeno colono e também para sua subsistência.

Como o modelo de cultura açucareira travava o desenvolvimento das colônias, muitos destes colonos imigraram para a América do Norte onde curiosamente os níveis de produtividade eram menores e menos explorados pela Coroa Britânica.

Apesar do sucesso nas colheitas Portugal não fazia a etapa de refinamento e comercialização do açúcar, que ficava a cargo dos holandeses e portanto, com grande parte dos lucros.

Havia um relacionamento comercial intenso com a Holanda, que já era detentora de colônias no caribe e na parte norte da América do Sul (atuais Guianas e Suriname, este último alcançando a independência da Holanda nos anos 1970 somente).

Essa relação entre as 02 metrópoles foi abalada quando o rei espanhol Felipe II unificou a península Ibérica e decidiu que tiraria os holandeses do ciclo de produção e comércio açucareiro, tal medida resultou em diversas incursões da Holanda na costa nordestina brasileira e a invasão da capitania de Pernambuco em 1637.

Mesmo com a expulsão dos holandeses em 1654 Portugal não conseguiu uma retomada da atividade econômica de maneira bem sucedida, uma vez que os holandeses se firmaram nas suas colônias no caribe e passaram a produzir e concorrer diretamente com o açúcar brasileiro.

A concorrência antilhana holandesa foi um dos fatores que fizeram a demanda por açúcar brasileiro decair.

O sistema empregado nesse período consolidou uma estrutura fundiária que prevalece até os dias de hoje no nordeste, marcada por forte concentração de terras e na influência de oligarquias e famílias tradicionais nas decisões políticas.

O Açúcar e a Escravidão

As tentativas de escravização das populações indígenas não foram bem sucedidas para cultivo da cana de açúcar, os índios não suportavam a carga de trabalho e revoltavam-se contra os colonizadores com frequência.

Não havia como controlar a produção sendo o fator humano totalmente imprevisível e de difícil controle.

Haviam os pequenos colonos que imigravam da Europa em busca de oportunidades nas Américas, mas por se tratar de pequenos núcleos produtores e com necessidades de manter uma parte de seu trabalho para gerar sua própria subsistência, não haviam incentivos para a metrópole manter este tipo de regime.

A introdução da escravidão tem seus primeiros indícios históricos no século XV sendo Portugal o primeiro reino a fazer incursões na região onde atualmente ficam o Sudão e Sudão do Sul.

Portugal foi o país que inseriu mais rapidamente e de maneira intensa o regime de escravidão, tendo se especializado no rapto de populações africanas e no transporte dessas pessoas para as Américas, alguns estudos apontam que 4,5 milhões de africanos foram raptados sendo uma das maiores diásporas da história humana.

Como já citado, a penetração da cultura açucareira expeliu uma grande parte da população europeia para as colônias do norte enquanto na América Latina estabeleciam-se milhões de africanos escravizados.

O açúcar desorganizou as colônias e eliminou em algumas regiões a produção agrícola de subsistência, tornando os grandes engenhos livres para dominar e produzir sem o retorno para as colônias.

Furtado (2005) afirma que mais de 90% da renda gerada na colônia estava fortemente concentrada nas mãos da classe de proprietários de engenho, corroborando com a manutenção da escravidão.

Muitas regiões passaram a importar alimentos das colônias do norte enquanto focavam exclusivamente na demanda pelo açúcar na Europa.

Ciclo do Ouro

No século XVI Portugal passou a oferecer estímulos para pessoas que estivessem interessadas em explorar a colônia, essas operações foram nomeadas de entradas e tinham como objetivo de aumentar a expansão territorial da coroa nas terras brasileiras.

Nesse ciclo que surgem os bandeirantes cujas expedições aprisionavam populações indígenas, recuperavam pessoas em situação de escravidão foragidas e expandiam os domínios para o centro-sul do continente.

Foram descobertas grandes reservas de ouro e minérios na região do estado de Minas Gerais, o que causou um aumento nas expedições e fundação de vilas e cidades próximos aos rios e nas regiões onde se encontravam maiores reservas de ouro.

À coroa portuguesa pagava-se o quinto (20%) sobre o ouro extraído, a captação, tarifas de importação, exportação e também sobre a propriedade.

O resultado foi o favorecimento da economia portuguesa que se encontrava em momento de declínio, porém vale salientar que diversos esquemas de evasão fiscal eram praticados de maneira que diminuíssem as retenções por impostos sobre as riquezas extraídas.

As cidades do garimpo como Ouro preto, Mariana e Sabará eram polos movimentados e formados por todos os povos da colônia: índios, africanos e europeus.

Mato Grosso e Goiás também eram regiões onde o garimpo se tornou rentável, contribuindo para a formação das cidades e do povoamento desses estados mais afastados da costa.

O ciclo do ouro tem seu início e seu clímax no momento em que a cultura açucareira passa a declinar e sofrer com a concorrência holandesa.

Outro ponto importante do ciclo do ouro vem das relações entre a Inglaterra e Portugal, entre 1750 e 1770 Portugal enfrentava dificuldades econômicas enquanto a Inglaterra via prosperar sua industrialização, necessitando assim de um mercado consumidor maior.

Os ingleses viam uma Portugal enriquecida como uma oportunidade para ampliar seu mercado consumidor.

Atribui-se ao ciclo do ouro o aumento da população brasileira daquele século.

Ciclo do Fumo

Por fim é de extrema importância que falemos um pouco sobre o ciclo do fumo, atividade que foi amplamente utilizada como moeda de troca para a compra de pessoas escravizadas nas colônias africanas.

Com produção predominante em Alagoas e Bahia no século XVIII, o fumo era o principal produto exportado da colônia abaixo somente do açúcar.

Diferente dos outros produtos tropicais o tabaco não foi produzido visando o mercado europeu, mas sim como mercadoria moeda para uso na costa africana onde eram trocados pelas pessoas em situação de escravidão.

Apesar de sua importância em volume, temos aqui pela primeira vez um produto que era gerado para que pudessem ser mantidos os outros, para que o ciclo da escravidão pudesse continuar e aumentar os lucros da economia açucareira.

CONCLUSÃO

Síntese dos tópicos abordados

Quando olhamos para o Brasil atual é possível enxergar quais fatores do passado são as raízes de certas realidades, como por exemplo a desigualdade social entre nordeste e sudeste, a maior quantidade de população negra em situação de marginalidade, a formação de favelas, cidades, etc.

Só é possível entender esses desenhos urbanos e sociais quando nos aprofundamos na formação econômica da América Latina e suas discrepâncias com os Estados Unidos e Canadá.

É um tema extenso e com inúmeras possibilidades de exploração e entendimento, mas neste texto o objetivo foi explicitar de maneira superficial e introdutória os primeiros ciclos econômicos do Brasil colônia.

Como a produção açucareira foi um dos fatores que fomentaram a manutenção da escravidão e foi responsável também pelo baixo desenvolvimento da região nordeste, enquanto o ouro foi responsável pelo povoamento do centro do Brasil e o café pelo enriquecimento do sudeste.

Em um próximo texto irei abordar sobre a troca de importância econômica para o café do sudeste e como ele foi um dos responsáveis pela diáspora nordestina e intensa migração de famílias para o sudeste.